sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Reverberações da Entrecorpos

Crítica publicada no blog:
http://xumucuis.wordpress.com/2010/10/06/dialogos-intertextualidades-visuais-em-%E2%80%9Crazoes-do-corpo%E2%80%9D-de-elieni-tenorio-%E2%80%9Cantes-de-ver-reveja%E2%80%9D-de-nailana-thiely-e-%E2%80%9Centrecorpos%E2%80%9D-de-artistas-pa/

Por fim, mas não definitivamente, o terceiro objeto de análise é a exposição coletiva Entrecorpos, a qual veio com texto curatorial de Luizan Pinheiro, exposta na Galeria Theodoro Braga. Os artistas, mais especificamente, que comporam a mostra foram: Paulo Wagner, João Cirilo, Eliane Moura, Dany Meireles, Joana Sena, Ilton Ribeiro, Luciana Magno, Pamela Massoud, Douglas Caleja, Luizan Pinheiro, entre outros.

Ao propor um trânsito pelo pornô-erótico do corpo, em seus rompantes de luxúria e imanência, de perversão e política trans-imagética, tudo parecia um excelente mote para o sentir estético, conforme delineado pelo excelente texto de Pinheiro (e que trazia uma característica de fluidez e descolamento, ao se apresentar circundando a exposição com sua disposição no rodapé da galeria), mas infelizmente, e digo com muito pesar, não foi o que ocorreu na prática.

Até agora não consegui digerir as obras expostas, pois, acima das tentativas, a meu ver (e muitos podem discordar, portanto comentem neste espaço), vislumbrei ingenuidade quanto à potência da idéia, aliada a uma execução técnica deficitária.

O que mais comprometeu a minha apreciação foi, sem dúvida, a quantidade de obras prensadas na Galeria Theodoro Braga e grudadas umas às outras, em virtude do pouco espaço para muita informação. Algumas, por sinal, sem uma área mais apropriada, como no caso do vídeo de Luciana Magno, foram seriamente comprometidas. E este caos, o qual pode até ser argumentado cientificamente com algum conceito pós-moderno de fugir aos padrões do cubo branco e de colocar em crise a área de exposição (pois existe conceito para tudo neste mundo), me pareceu inépcia mesmo. É aquela velha história: para desconstruir é necessário conhecer muito bem o construído, caso contrário, vemos a chamada imanência transformada em agir imaturo-estético.

A certa falta de criatividade nas obras me acertou em cheio, uma vez que me deparei com conceitos tão utilizados, clichês no sentido mais amplo. No caso da instalação de Dany Meireles, intitulada “Substantivo Feminino Espera”, não havia associação que não a de um pastiche menor com a exposição de Cláudia Leão “O Rosto e os Outros”. Cláudia, por sinal, não esgotou o tema nem o formato ao se utilizar de janelas e a poética da espera (e creio que a idéia dela nem era essa), mas o mínimo que se esperaria de uma obra “After Cláudia Leão” seria uma resignificação apontando novos rumos.

A tela “Nossa Senhora”, de Alexandre Dantas, ao parecer um exercício acadêmico, foi outro ponto baixo, baixíssimo. Não sei se havia interesse de criar uma polêmica com alguma referência religiosa numa exposição com tal tema, porém isto não ficou claro (e convenhamos, se fosse por polêmica, uma heresia na potência de “Piss Christ” (1987), do Andres Serrano seria mais interessante do que um fac-símile humilde da tela “Song of the Angels”, de William Bouguereau).

Também não poderia deixar de comentar a vídeo instalação de Pamela Massoud, intitulada “Expugnare”: uma idéia muito explorada por diversos outros artistas, como é o caso de Nam June Paik. Na obra de Massoud, a execução técnica foi menor, impregnando um viés de pouco aprimorada. A obra parece usar de uma ingenuidade ao tentar enganar o visitante mais desatento quanto à circulação do mundo das artes. Se despretensão fosse o mote, deveria haver mais pesquisa e poética visual por parte da artista.

O trípitico de Paulo Wagner também poderia ter ido além. Premiado no Arte Pará (Prêmio Aquisição) do ano passado (2009) com outro trípitico que fazia referências diretas à obra de Jenny Saville (uma observação importante que a reflexão[i] de Luizan Pinheiro não mencionou), sua pintura para Entrecorpos ousou proferir uma linha mais tensa com as obras de Willem De Kooning e Francis Bacon. Em todo caso, os pintores modernos citados buscavam o feio como forma de atingir o sublime, mas Wagner permaneceu em uma inércia instigadora (pelo menos para mim), não atingindo um único ponto, senão o da indiferença.

As únicas obras que me tiraram do lugar da apatia foram: o acertado desenho de Joana Sena, “Santa Trindade”, inteiro dentro da idéia da exposição, profano, cartunesco, estilizado; e a tela central do trípitico de Ilton Ribeiro, “Sem Título II”, mas mais por me lembrar da capa de um álbum dos Lemonheads[ii] (ainda penso que esta tela central, numa dimensão muito maior, sozinha, forneceria mais impacto – e daí meu interesse).

Em todo caso, conforme observado de maneira leve e veloz acima, as obras das exposições em foco atravessaram toda uma rede de dialogismos bakhtinianos, garantiram um cunho antropológico, reforçaram a idéia de que hoje não passamos incólumes de uma rede de informações cada vez mais densa e protética. Para o bem ou para o mal, estamos inseridos num ir e vir sem purismos, heróis, vilões.

ENTRECORPOS


entrecorpos. entre

Luizan Pinheiro

do inevitável. o corpo. entrecorpos. entreveros de corpos artísticos a depositarem no tempo e na história um lugar. composto orgânico de falas e silêncios abrigado na Galeria Theodoro Braga. inventividade coletiva a potencializar o corpo da galeria em estado de inanição dos investimentos públicos fundamentais. tra.vestidos na miséria da puta.política. explorada pelos que nada sabem do que a arte é possível. mas dada aos corpos outros. a galeria se afirma. veste-se com roupas novas para o desfile da arte. visibilidade do que o corpo instaura. da fragilidade ao insuportável. do desespero a pulsão sexual. do ambíguo ao indefinido. os micromundos estão ali a dar vida aos
sentidos. aos sentimentos. as emoções. intimista sem timidez. tosca mas cínica. débil e dinâmica. os mundos de entrecorpos disparam para vários rumos. gramática visual atravessada pela política do corpo. política do corpo atravessada pela gramática visual. produção do máximo no mínimo dos encontros. a pintura. o desenho. a fotografia. a vídeoinstalação. o verbo. as especulações metafísicas em nuanças sóbrias. o que do corpo dispara o póien numa sua deflagração qualquer. abertura para os territórios pessoais. íntimos. pornôs. eróticos. ótimos. tudo o que tem de livre nessa potência da revelação. da perversão. da ação. entrecorpos. entre.

Belém, setembro, 2010.